O número de eleitores com 16 ou 17 anos de idade no Paraná cresceu 35,2% neste ano em relação a 2018, ano da última eleição presidencial, mostram dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Já em relação a julho do ano passado o crescimento foi de 257%, o que mostra um maior interesse dos jovens pela política em um ano de eleição presidencial. O prazo para a emissão do título de eleitor terminou no dia 4 de maio.
O aumento na procura pelo primeiro título de eleitor segue uma tendência nacional. Em abril, o TSE comemorou a marca de 2.042.817 novos eleitores nesta faixa etária em todo o país, número atingido em apenas quatro meses. O total de jovens entre 16 e 17 anos aptos a votar neste ano é de 2.114.946 em todo o país, número 51% superior ao registrado em 2018 (1.400.236). Há quatro anos, eles eram 0,95% do eleitorado brasileiro; hoje, são 1,36%.
No Paraná, segundo o TSE, 95.684 jovens estão aptos a votar em outubro (36.553 com 16 anos e 59.131 com 17), o que representa 1,13% do eleitorado no estado. É o maior número da história. Em julho de 2018, eles eram 70.771 (17.499 de 17 anos e 53.272 de 16), ou 0,89% do eleitorado. Nas eleições de 2020, eram 65.311. Em julho do ano passado, o estado tinha apenas 26.796 eleitores aptos nesta faixa etária.
Um dos fatores que pode ter ajudado a aumentar a procura dos jovens pelo título é a campanha de conscientização feita pelo TSE, que envolveu artistas como a cantora Anitta e as atrizes Bruna Marquezine e Taís Araújo. Outro fator pode ser o descontentamento da maior parte desse eleitorado com o governo do presidente Jair Bolsonaro, como mostram as últimas pesquisas de intenção de voto.
O cientista político e professor universitário Robert Bandeira de Mello lembra que uma pesquisa do Ipec, feita em setembro do ano passado, começou a mapear esse descontentamento. “O Ipec aponta que 28% dos jovens que votaram em Bolsonaro no segundo turno em 2018 estão arrependidos. E que 45% dos jovens entrevistados votariam, no segundo turno, em outro candidato”, diz o professor. “Podemos inferir que há um engajamento crítico dos jovens contra o atual governo”.
O levantamento do Ipec mostra ainda que o combate à fome e à pobreza é a principal preocupação para 62% dos 1.008 jovens entre 16 e 34 anos ouvidos. Para 29% deles, o principal motivo para tirar o título pela primeira vez é o “momento político preocupante”. Entre os jovens de 16 e 17 anos, a instituição com mais credibilidade é o TSE (22%) e os partidos são confiáveis apenas para 6%.
A descrença nos partidos também foi identificada no estudo acadêmico “Juventudes e Democracia na América Latina”, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), publicado neste ano. Os jovens desconfiam ainda de outros espaços tradicionais da política, como o Poder Legislativo, os sindicatos e os centros acadêmicos, e muitos deles se mantêm afastados do debate político por medo do “cancelamento” nas redes sociais.
O medo das críticas e de possíveis consequências negativas decorrentes de posicionamentos políticos foi citado pela maioria dos jovens entre 16 e 17 anos ouvidos pelo Ipec. Para 79% deles, o debate político nas redes sociais é agressivo e intolerante; 69% disseram considerar as pessoas de direita intolerantes, e outros 66% atribuíram a intolerância às pessoas de esquerda; além disso, 59% admitiram que não falam sobre política em redes sociais por medo de serem criticados ou tratados de forma agressiva.
Sem medo – Estudante de Direito e Filosofia, Ana Julia Ribeiro, de 20 anos, não teve medo do cancelamento. Concorrerá em outubro em sua segunda eleição, desta vez para deputada estadual, pelo PT. Disputou uma vaga na Câmara Municipal de Curitiba em 2020 e ficou na primeira suplência do partido, com 4.538 votos. Chegou a assumir o mandato por três dias no mês passado, após a cassação do mandato de Renato Freitas, mas a sessão de em que ele foi cassado foi anulada pela justiça (Freitas foi novamente cassado no último dia 4).
Para Ana Julia, o medo de ser “cancelado” afastou os jovens da política, mas não das opiniões preconceituosas. “A exposição afasta os jovens do posicionamento político, é um período de formação. Mas a gente vê muita externalização de pensamentos retrógrados e preconceituosos. Não é só o medo do cancelamento, essa política de ódio e esse discurso de raiva também deixam as pessoas acuadas. As pessoas são tolhidas em suas vidas por causa dos seus posicionamentos políticos”.
Formada em Direito e filiada ao NOVO, Anne Dias, de 26 anos, é outra jovem que nunca teve medo de se posicionar. Ela trabalhou na campanha da então candidata Indiara Barbosa em 2018, trabalhou no gabinete da vereadora na Câmara Municipal de Curitiba e neste ano concorrerá a deputada estadual pela primeira vez.
Anne avalia que a corrupção foi a principal responsável por afastar os jovens dos acontecimentos políticos. “É um reflexo dos nossos tempos. Toda hora tem um político preso, isso traz uma visão muito ruim para o jovem. Eu via isso na TV”, conta a candidata. “O número alto de títulos de eleitor neste ano mostra que é responsabilidade da nossa geração mudar essa realidade”.
Candidatas tiveram origem no movimento estudantil
Em polos ideológicos opostos, as candidatas a deputada estadual Ana Julia Ribeiro (PT) e Anne Dias (NOVO) participaram do movimento estudantil e decidiram se dedicar à política em 2016.
Enquanto Ana Julia participava naquele ano das ocupações das escolas secundaristas, contra a reforma do ensino médio proposta pelo governo de Michel Temer, Anne vivia sua primeira experiência em um parlamento, ao participar do Parlamento Universitário, da Assembleia Legislativa do Paraná, projeto que simula as atividades parlamentares por uma semana com estudantes universitários.
“Eu sempre quis estudar como a sociedade funciona, por isso cursei Direito na UFPR. Foi minha grande abertura para a política”, conta Anne. “Mas o evento mais marcante foi o Parlamento Universitário. Eu tinha 20 anos e percebi o impacto da política na sociedade. É algo que ninguém discute muito”.
Anne entrou para o movimento Livres e quatro anos depois de participar do Parlamento Universitário coordenou a campanha de Indiara Barbosa à Câmara de Curitiba. Indiara foi eleita e Anne assumiu a chefia de gabinete. “Aprendi a montar uma equipe, como funciona a Câmara, a fazer um planejamento estratégico. E quis levar isso para outros níveis”.
Para a candidata, os governos do PT levaram os jovens que se identificam com a direita a se posicionarem. “O movimento liberal no Brasil é muito recente. Viemos da era em que o Lula era presidente, o período das décadas de 1990 e 2000 foi de muita intervenção, de muita necessidade de um estado protetor. A nossa geração vê que o estado não é a solução dos problemas. A solução somos nós, os indivíduos”.
A expectativa de Anne é que o NOVO garanta duas vagas na Assembleia Legislativa nas eleições deste ano.
Interesse – ‘Conversa de família’
Ana Julia conta que seu interesse por política começou em conversas com a família, evoluiu para o movimento estudantil e se consolidou durante as ocupações das escolas secundaristas em 2016. “Percebi que gostava muito de política e depois passei a me interessar mais pela política partidária. Aí saiu a conversa de eu ser candidata, mas foi uma coisa pensada em grupo, de maneira coletiva”.
Ana Julia concorda com Anne Dias em um ponto: jovens de direita sempre existiram, mas não expunham suas opiniões. “Nossa memória política fez associar a juventude à esquerda. Não significa que jovens de direita não existiam, significa que eles não se organizavam”, afirma. “Pautas como as do NOVO e do MBL (Movimento Brasil Livre) são um discurso bonito, mas que na prática não resolvem nada. Precisamos de políticas públicas e intervenção do estado para garantir nossos direitos”. Para a candidata, um dos desafios é estabelecer uma nova forma de comunicação com o público jovem. “A política foi colocada como uma coisa ruim, em um debate medíocre. Não tem como a juventude ter uma percepção diferente da que lhe é apresentada. A política foi tão simplificada que deixou de ser discutida e levada a sério. É preciso equilibrar uma nova linguagem, um novo método, com a seriedade que a política exige.